Há 21 anos a Edelman estuda as relações de confiança nas sociedades. Em geral, os dados globais do Trust Barometer são lançados em janeiro e, a partir de fevereiro, são compiladas as informações de cada país – nessa última edição, foram 28. Nos bastidores, no entanto, o trabalho de desenvolvimento do estudo começa por volta de agosto, quando os coordenadores da pesquisa acionam os escritórios locais da Edelman para trocar ideias e solicitar a revisão do questionário da pesquisa. A partir daí começa uma temporada de muito aprendizado.
Vinte e um anos não é pouca coisa. Na Edelman, gostamos de relações de longo prazo porque acreditamos na construção, o que envolve acertar, errar e recomeçar com base em novos aprendizados. Sabemos que não se constrói reputação de uma hora para outra, mas com consistência e regularidade. Por isso uma trajetória de longo prazo de estudo da confiança é tão relevante. Nesses últimos anos, vimos e antecipamos movimentos e tendências. Apenas para mencionar algumas:
- a transferência da confiança nas elites tradicionais para os pares (alguém como você), impulsionada pelas redes sociais;
- as influências do bem-estar econômico sobre a confiança e, em decorrência, o imenso e crescente distanciamento entre classes sociais,
- a acentuada perda de confiança em governos e a transferência de demandas das sociedades para as empresas – que ainda não sabem bem como lidar com expectativas tão altas, mais amplas que seus territórios de atuação;
- a batalha pela verdade, que passou a ser fundamental para a sobrevivência das democracias enquanto governos utilizam estratégias estruturadas de distribuição de fake news;
- o domínio do medo, das vulnerabilidades e da crise generalizada de confiança nas lideranças.
Todas as etapas do Trust Barometer são lideradas pela equipe da Edelman Data & Intelligence – consultoria global de pesquisa e análise de dados que orientam e geram insights para nossas estratégias de Relações Públicas. Na Edelman Brasil, contribuímos com insights para o desenvolvimento do estudo e ficamos aguardando, ansiosos, os resultados todos os anos. Se você me perguntasse, em janeiro, quais seriam as minhas apostas, eu diria que os índices de confiança oscilariam muito. Afinal, 2020 não foi um ano qualquer.
Nem tanto assim. As quatro instituições permaneceram dentro das classificações do ano anterior, tendo registrado alguns poucos pontos de variação. Empresas são instituições confiáveis para 61% dos brasileiros. Já as ONGs são classificadas como neutras, com 56 pontos. Mídia e Governo estão no nível da desconfiança, com 48 e 39 pontos, respectivamente. Considerando a média entre os quatro, o Índice de Confiança do Brasil permaneceu inalterado em relação ao ano anterior, na faixa de neutralidade, com 51 pontos. O levantamento de dados ocorreu entre outubro e novembro do ano passado.
A estabilidade do Brasil ficou na contramão do mundo. Para mencionar alguns exemplos, na China, a queda foi de 10 pontos. A Alemanha observou um aumento de sete pontos. Os EUA apontaram aumento de um ponto (lá, houve um novo levantamento em dezembro e o cenário mudou para queda de cinco pontos).
O que explicaria o índice médio estacionado no Brasil? Sem a pretensão de concluir nada, olhar para a disparidade de percepção entre o público informado (maior renda per capta, escolaridade) e a população geral (a base da pirâmide) pode sinalizar uma pista. Se fosse considerada apenas a opinião da elite, o Brasil seria classificado no nível da confiança, com 62 pontos. Entre os menos favorecidos economicamente, há desconfiança (47 pontos) – uma distância, portanto, de 15 pontos.
O Brasil está aprofundando tanto as inequidades, que se encontra paralisado, em meio a um abismo. Em vez de olhar para o outro lado, estamos olhando para o fundo. Ainda não fomos vacinados, mas estamos anestesiados. A comunicação e as estratégias de engajamento terão um papel fundamental para informar, inspirar e ajudar a criar pontes, contribuindo para que possamos sair do momento mais difícil de nossas vidas.
Ana Julião é Gerente Geral da Edelman Brasil.